Na terça-feira, 14 de outubro de 2025, o município de La Codosera, em Badajoz, foi abalado por um evento que mais uma vez trouxe a violência de gênero e a resposta judicial à tona.
Uma mulher foi morta pelo companheiro, que fugiu do local após o impacto. Os serviços de emergência só conseguiram atestar a morte e, poucas horas depois, o suposto agressor foi preso pela Guarda Civil.
Segundo fontes envolvidas na investigação, o homem e a vítima mantinham um relacionamento, embora não houvesse relatos anteriores de abuso ou registros policiais relacionados à violência de gênero.
Inicialmente, a hipótese de acidente ou de conflito doméstico foi considerada, mas as investigações iniciais, depoimentos de testemunhas, vestígios no veículo e histórico de coabitação levaram o tribunal a considerar a possibilidade de um crime de homicídio no âmbito da violência de gênero.
O Tribunal de Violência contra a Mulher nº 1 de Badajoz assumiu o caso e ordenou a prisão preventiva do réu sem direito a fiança, após avaliar a gravidade do incidente, as evidências de intenção e o risco de fuga.
O incidente causou profundo choque na região e reacendeu o debate sobre o papel do sistema de justiça em casos em que não há queixas anteriores, mas há indícios de possível violência de gênero oculta.
Além do impacto midiático, este caso abre um importante debate jurídico e social: como funciona o sistema? Qual é o sistema judicial aplicável quando uma mulher é vítima de violência sem ter apresentado queixa? Quais fundamentos permitem que os tribunais intervenham ex officio na ausência de uma queixa formal?
A resposta está no artigo 87 ter da Lei Orgânica do Poder Judiciário, que concede aos Tribunais de Violência contra a Mulher a competência para julgar processos criminais envolvendo crimes cometidos por homens contra suas companheiras ou ex-companheiras, desde que haja indícios de violência de gênero, mesmo que não tenha sido apresentada queixa.
A Lei Orgânica 1/2004, sobre Medidas Integrais de Proteção contra a Violência de Gênero, reforça esse critério ao definir tal violência como qualquer ato físico ou psicológico praticado por um homem contra uma mulher em uma relação afetiva, com o objetivo de exercer dominação ou controle.
Portanto, o sistema não exige denúncia prévia: basta que a investigação revele esse contexto desigual para acionar a jurisdição especializada.
Nesse tipo de crime, ademais, o Código Penal (artigos 148.4, 153 e 173) permite a aplicação de agravantes específicos quando a violência ocorre no contexto de um relacionamento amoroso.
A prisão provisória decretada pelo tribunal é justificada pelo artigo 503 do Código de Processo Penal, que a permite quando há fortes indícios de criminalidade e risco de fuga ou reincidência.
Em crimes de extrema gravidade como este, em que se investiga uma morte violenta, o juiz deve garantir tanto a segurança das testemunhas quanto a integridade da investigação. No entanto, a medida não está isenta de debate, uma vez que deve ser ponderada em relação à presunção de inocência (artigo 24.º CE) e à proporcionalidade da medida.
O caso La Codosera é um lembrete de que a justiça pode agir mesmo sem queixa, e que as leis sobre violência de gênero são elaboradas precisamente para isso: para que o Estado intervenha ex officio quando houver suspeita de agressão ou homicídio em uma relação doméstica. A eficácia desse arcabouço jurídico depende, no entanto, de uma resposta precoce, coordenada e sensível à questão de gênero por parte de todos os atores jurídicos e sociais.